Houve um tempo em que a presença de solos com alta deformabilidade e baixa capacidade de suporte era o suficiente para tornar uma área imprópria para receber uma construção. Mas o desenvolvimento tecnológico no campo da geotecnia ao longo das últimas décadas mudou esse cenário.
Hoje, os solos moles (constituídos predominantemente por camadas de solos argilosos de baixa consistência) e outros solos compressíveis, como as areias fofas, já não representam desafios intransponíveis.
Na fase de investigação geotécnica do terreno, solos compressíveis são identificados principalmente por índices baixos de resistência à penetração nas sondagens a percussão, geralmente abaixo de 4. Nesses locais, frequentemente recorre-se às fundações profundas, capazes de avançar até uma camada de solo mais rígida para suportar as cargas. São consideradas fundações profundas aquelas cujo comprimento da estaca predomina sobre sua seção transversal, ou a camada de suporte está a uma profundidade maior que dois metros.
FUNDAÇÕES PROFUNDAS EM SOLOS MOLES
“A escolha do tipo mais adequado para fundação em solos moles vai depender das características de resistência destes solos, do nível do lençol freático e da grandeza dos carregamentos aplicados nas fundações”, explica a pesquisadora da seção de geotecnia do IPT, Gisleine Coelho de Campos.
As técnicas existentes para executar fundações profundas podem ser pré-fabricadas ou moldadas in loco. No primeiro grupo enquadram-se as estacas que chegam prontas ao canteiro para serem cravadas por bate-estacas. Entre as mais utilizadas estão as estacas metálicas, constituídas por perfis e chapas de aço laminado ou soldado, indicadas para situações que demandam alta resistência a esforços de tração, como em instalações portuárias. Há também as estacas de concreto, recomendadas para transpor camadas extensas de solo mole e em terrenos onde o plano de fundação tem profundidade homogênea. Existem, ainda, as estacas de madeira, em desuso em função do baixo desempenho e por razões ambientais.
ESTACAS MOLDADAS IN LOCO
As técnicas são igualmente variadas entre as opções moldadas in loco, indo das mais simples, às mais sofisticadas. Muito tradicionais, as estacas strauss são executadas em concreto simples ou armado, com revestimento metálico recuperável. Abrangem a faixa de carga entre 200 e 400 kN e têm aplicação para fundações em locais confinados, terrenos acidentados e interior de construções existentes, com o pé-direito reduzido. Podem ser utilizadas também em locais com restrições a vibrações. Porém, não costumam ser boa opção para solos com areias fofas.
As estacas franki, também de concreto armado e tubo de aço recuperável, são indicadas quando a camada resistente se localiza em profundidades variáveis e no caso de terrenos com pedregulhos ou pequenos matacões relativamente dispersos. Abrangem a faixa de carga de 500 a 1700 kN e demandam área no canteiro para o bate-estacas.
Quando a falta de pé-direito é um fator determinante para a escolha do método de fundação, a estaca-raiz passa a ser opção. Isso porque essas estacas são perfuradas por rotopercussão em direção vertical ou inclinada.
HÉLICE CONTÍNUA E ESTACA-ÔMEGA
Recomendada para obras que têm foco na produtividade, a estaca hélice contínua monitorada permite a execução em terrenos coesivos e arenosos, na presença ou não do lençol freático. Cada vez mais aproveitada em obras urbanas, essa técnica consiste na execução de uma estaca por um trado contínuo que injeta concreto através de uma haste central simultaneamente à sua retirada do terreno. O sistema tem como característica a menor emissão de ruídos e de vibrações em comparação a outros métodos, além de alta velocidade de execução. Com esse tipo de equipamento é possível perfurar de 200 a 400 m por dia, dependendo do diâmetro da hélice, da profundidade e da resistência do terreno.
Novidade no mercado, a estaca ômega tem execução semelhante à hélice contínua monitorada. A principal diferença é que a perfuração é feita por um trado de forma cônica, que perfura o solo como um parafuso, com deslocamento lateral de solo. Dessa forma, dispensa-se a remoção do solo na superfície e eleva-se o atrito lateral. No Brasil, essa técnica já foi empregada em obras de infraestrutura, como na estação Vila das Belezas, da Linha 5 do metrô, em São Paulo.
TÉCNICAS DE MELHORAMENTO DO SOLO
O desenvolvimento de diversas técnicas de melhoramento dos solos também vem ajudando a viabilizar a construção em solos compressíveis, evitando a execução de fundações profundas. Entre as opções disponíveis há técnicas como a construção de colunas de solo-cimento (deep soil mixing) e o jet grouting. A primeira se baseia no tratamento de solos moles por meio da mistura com agentes químicos estabilizantes (cal e/ou cimento), formando coluna de material melhorado. Já o jet grouting consiste na injeção de nata de cimento no solo por meio de jatos horizontais ou verticais de alta pressão e velocidade. “Há diversas técnicas de melhoramento dos solos disponíveis no mercado e sua escolha requer a análise de aspectos técnicos, logísticos, de planejamento da obra e também de custos”, diz Gisleine Coelho de Campos.
Apesar da ampla oferta de tecnologias, nem sempre o melhoramento de solos é a melhor opção. Segundo o engenheiro Ilan Gotlieb, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Projeto e Consultoria em Engenharia Geotécnica (Abeg), dependendo da metodologia adotada, pode haver uma limitação na espessura de camada que pode ser tratada e melhorada. Isso faz com que o tratamento seja tecnicamente inviável em casos de camadas muito espessas de solos compressíveis. “Além disso, o custo para se fazer a melhoria do solo pode não ser competitivo, induzindo a escolha pela execução de fundações profundas”, explica Gotlieb, ressaltando que, mesmo assim, não se pode descartar esta solução técnica com a presunção de que será mais onerosa para determinada obra. “É sempre conveniente fazer estudos de soluções alternativas para uma adequada avaliação técnico-econômica”, finaliza.
Texto: Juliana Nakamura (Fonte: aecweb.com.br).
Colaboração técnica:
Ilan Gotlieb – Engenheiro Civil com mestrado pela Cornell University (1996), é sócio da MG&A Consultores de Solos, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Projeto e Consultoria em Engenharia Geotécnica (ABEG) e conselheiro da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS)
Gisleine Coelho de Campos – Engenheira civil com Mestrado e Doutorado em Engenharia Civil pela Universidade de São Paulo. É pesquisadora do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) e coordenadora e professora dos cursos de Engenharia Civil e de Engenharia Ambiental e Sanitária da Universidade Anhembi Morumbi